
Desde meados dos anos 1970, o mundo passou a respirar um novo ar político e econômico: o neoliberalismo. Com a promessa de crescimento, eficiência e modernização, esse modelo ganhou espaço nas principais economias do mundo.
Na prática, porém, os efeitos dessas reformas foram profundos e dolorosos. Desemprego em massa, precarização das relações de trabalho, empobrecimento de populações inteiras e uma brutal concentração de riquezas marcaram esse período. O Estado deixou de ser o garantidor de direitos para se tornar um gestor da austeridade, enquanto o setor privado passou a ocupar espaços estratégicos, muitas vezes sem o devido compromisso com o bem comum.
Mas a história não é uma linha reta. A promessa neoliberal de progresso revelou-se frágil. Ao longo das décadas seguintes, o modelo começou a ruir sob o peso de suas próprias contradições. Crises financeiras, desastres ambientais, corrupção corporativa e exclusão social colocaram em xeque a lógica de um mercado autorregulado. E o que surgiu, então? Indignação popular, protestos em vários cantos do mundo e formas criativas de resistência, especialmente na América Latina, onde comunidades inteiras se organizaram para propor novos caminhos e defender o que lhes restava.
Diante dessa crescente insatisfação, as elites econômicas e os setores dominantes precisaram reagir. Como conter o avanço das críticas e, ao mesmo tempo, manter seu projeto de poder? Duas estratégias foram colocadas em prática: de um lado, a repressão direta aos movimentos sociais; de outro, o redesenho do consenso social por meio de discursos mais “inclusivos”. É neste segundo ponto que entra o Pacto Global da ONU.
Lançado em 2000 pelo então secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, o Pacto Global é uma chamada para as empresas de todo o mundo alinharem suas operações e estratégias aos Dez Princípios universais nas áreas de Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Anticorrupção e desenvolverem ações que contribuam para o enfrentamento dos desafios da sociedade. É hoje a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo, com mais de 25 mil participantes, entre empresas e organizações, distribuídos em mais de 67 redes locais, com abrangência e engajamento em todos os continentes. Fonte: pactoglobal.org.br
Porém, é preciso ir além do discurso. O Pacto Global, segundo análises críticas como a publicada na revista Relaxe. Interno, pode ser compreendido também como uma estratégia hegemônica internacional. Trata-se de uma tentativa de reposicionar o capitalismo global em meio à crise, agora com uma face mais “socialmente responsável”. As empresas assumem um novo papel: de vilãs a protagonistas das soluções globais. Assinam compromissos voluntários, estampam selos verdes, promovem campanhas de impacto.
O Pacto Global cria espaços de diálogo, pressiona por boas práticas e pode gerar avanços reais. Mas é fundamental perguntar: quem ganha com esse modelo? O que está sendo preservado? E o que está sendo ocultado sob o verniz da responsabilidade corporativa?
Nesse mesmo contexto, é interessante observar o papel da mediação de conflitos nos tribunais. Assim como o Pacto Global, a mediação surge como uma resposta e confiabilidade na resolução de disputas que envolvem diversas instituições. Com a judicialização, a sobrecarga do sistema de justiça, é possível identificar a dificuldade na solução satisfatória e efetiva entre as partes, o Judiciário passou a investir em métodos alternativos de resolução de conflitos.
A mediação propõe o diálogo como via de solução, temos a construção conjunta de acordos. As partes são convidadas a se responsabilizar por suas escolhas. Essa prática busca restaurar relações, promover escuta ativa e construir soluções sustentáveis — valores que dialogam, ao menos no discurso, com os princípios do Pacto Global.
Mas assim como o Pacto, a mediação também exige um olhar crítico. Não basta implementar a ferramenta; é preciso compreender seu lugar no contexto social. A mediação judicial não resolve as raízes das desigualdades, mas pode abrir espaço para uma justiça mais humanizada. Pode transformar relações e promover autonomia, desde que não seja usada apenas para “desafogar o Judiciário”.
Essa discussão nos leva a uma reflexão ainda mais ampla: que tipo de transformação queremos promover no mundo? Sustentabilidade não se resume somente a preservação ambiental. Ela exige justiça social, equilíbrio econômico, desenvolvimento sustentável e, sobretudo, comprometimento ético com as futuras gerações.
Na gestão pública, por exemplo, pensar em sustentabilidade envolve buscar esse tripé: ambiental, social e econômico. A estabilidade fiscal e a eficiência administrativa são fundamentais, mas não podem ser fins em si mesmos. Precisam estar alinhadas com o bem-estar coletivo, com a promoção de direitos e com a proteção dos recursos naturais.
Em um contexto de mercado internacional cada vez mais competitivo, a disputa por recursos e destinos para a produção depende essencialmente do cumprimento de boas práticas. Empresas que não adotam medidas alinhadas com a responsabilidade socioambiental correm o risco de ficar para trás. É preciso que os compromissos assumidos — seja no Pacto Global, seja em iniciativas locais, regionais, estaduais — sejam acompanhados de mecanismos de transparência, participação cidadã e monitoramento efetivo.
Por fim, o que conecta o Pacto Global e a mediação é justamente a tentativa de construir um novo consenso: menos conflituoso, mais confiável, transparente e justo. Mas isso só será verdadeiramente eficaz se acompanhado de ações estruturais e de um compromisso real com o meio ambiente, prevenção e precaução.
Referência Bibliografica
GINIGER, Núria Inés. Pacto Global como resposta à crise. Relaxe. interno. [on-line]. 2017, vol.26, n.53, pp.87-107. ISSN 2314-2766.
(imagem: canva)